Estou dez
horas na fábrica. Os turnos foram extintos e o horário laboral
passou a ser fixo. Para não perdermos o emprego, os sindicatos
assinaram a proposta da direcção que incluía uma revisão das
jornadas de trabalho. Uma situação que se pretende temporária.
Chego antes, regresso sempre depois da hora. As dez horas não são
passadas a trabalhar, provavelmente nem um quarto do tempo. Mas temos
que manter-nos disponíveis para o caso dos clientes enviarem
pedidos. Muitas vezes são os fornecedores que demoram as entregas de
material. É desmotivador quando fazemos tudo o que é esperado e são
os outros que falham.
Volto a casa
destroçado. Não pelo trabalho realizado, que está reduzido ao
mínimo, mas pelo facto das horas serem passadas em contínua espera,
na cantina, à porta do edifício principal, nos corredores, nas
oficinas, e não usamos máscara porque o pó está assente e não
anda no ar. Mas respiramos o mesmo ar viciado. Em conversas de
circunstância. Sempre sem novidade. Um tempo contrafeito.
Chego a casa
vazio. A postura em que me deixo cair na cadeira é a postura em que
fico até ao dia seguinte, como um molde de barro que alguém
abandonou porque já não encontrou serventia, a manipulação condenada desde o princípio, fico sentado e durante horas nem considero
levantar-me para fechar a janela. Fico ali sentado, encolhido, a
gelar e a imaginar um dia sem tempos de espera. Um dia que não seja
reactivo. Acordo noite dentro e aguardo que o sol nasça. Desejo que
seja finalmente esse o dia do regresso à antiga rotina. Um dia
inteiro na linha de montagem, com as pausas para limpar o suor, um
dia sem incertezas, novamente uma máquina oleada que junta
peças vezes sem conta; não perde a concentração e volta aos
objectivos bem traçados.
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